Pulsologia e a degustação de vinhos
Luis Fernando Veríssimo escreveu certa vez que “já se disse mais bobagem sobre vinhos do que sobre qualquer outro assunto, com a possível exceção do orgasmo feminino e da vida eterna.” Certamente ele não acrescentou a essa lista de exceções a pulsologia porque não conhece nada de Medicina Tradicional Chinesa.
Já li, já tive e já dei aula de provavelmente todos os principais temas teóricos da MTC. Posso dizer com tranqüilidade que a análise do pulso é o tema mais controverso, mais misterioso e também sobre o qual já se disse um número incontável de divagações abstratas e imprecisas (ou melhor dizendo – bobagens). Pergunta o aflito aluno: “o que é um pulso Flutuante professor?” E o brilhante mestre responde do alto da sua profunda sabedoria: “é como sentir uma madeira boiando num riacho.” Simples assim. E o aluno acaba de desistir de usar a pulsologia na sua prática clínica, achando que é coisa de chinês maluco ou que só vai chegar nesse “nível” de compreensão nas próximas vidas.
Há pouco tempo comecei a me interessar cada vez mais sobre vinhos. Mas confesso que esse universo me parecia dificílimo. Quando via o Renato Machado no programa “Mesa para Dois” falando sobre os vinhos e as suas harmonizações com a comida (e também contando o preço dos vinhos que estava degustando) pensava em desistir ou deixar para algumas encarnações vindouras. Mas dois fatos mudaram essa visão. Ganhei um ótimo livro da minha preciosa esposa chamado “Sem Segredos”, do Matt Skinner. Ele é sommelier dos restaurantes do famoso chef Jamie Oliver (que por sinal também me ajudou muito a desmitificar o mundo da gastronomia). E também passei a frequentar uma degustação de vinhos semanal numa adega perto de casa.
Munido das informações do livro e do respaldo técnico dos freqüentadores mais experientes da degustação passei a me aventurar na análise dos vinhos. Posso dizer que em um mês tive uma evolução surpreendente, tanto pra mim, quando para os meus colegas de vinho, conseguindo até conversar bem razoavelmente (mas com muita humildade) com pessoas que tomam vinhos há trinta anos. Como isso foi possível? Porque a forma como se desenvolve a capacidade de se perceber as características de um vinho é exatamente igual à de ser capaz de detectar as diferenciações do pulso de um paciente.
E essa chave na verdade é muito simples: você só é capaz de perceber, por exemplo, o que são os taninos de um vinho, se você for capaz, anteriormente, de descrever qual é a sensação dos taninos. Tornando ainda mais simples. Não adianta tanto você ficar tomando centenas de vinhos (e ficar muito pobre com esse processo) esperando que um dia, magicamente, e sem nenhuma ajuda, você passe a sentir os tais dos taninos. Agora, se alguma boa alma chega para você e lhe diz: os taninos de um vinho causam uma sensação de secura na boca, secando a saliva, como quando comemos uma banana verde. Fica bem mais fácil agora você perceber os taninos do próximo vinho que você for tomar, não? E agora, depois de uns três ou quatro vinhos ,você já será capaz de dizer qual apresenta mais taninos (pois seca mais a sua boca) do que o outro com menos. E isso funciona com todas as demais características do vinho, como acidez, amargor, ser redondo, etc…
Da mesma forma, um terapeuta de Medicina Chinesa, só será capaz de sentir as características de um pulso se for capaz de descrevê-las. Por exemplo, o tal do pulso Flutuante: ele é um pulso sentido com mais intensidade e clareza no nível superficial do toque (no nível da pele) e que, ao se aprofundar a pressão, ele perde intensidade. Também fica mais fácil, não é?
As correlações entre a degustação de vinhos e a análise da pulsologia na Medicina Chinesa não param por aí. Mas isso fica para um próximo post.
Enquanto isso, recomendo irmos treinando com um Casa Lapostolle, da uva Merlot, 2006 ou 2007. Saúde!
No Comments
Luciana
Adorei, Edgar! Até porque eu, apesar de gostar muito de vinhos, sempre achei um exagero quando esses sommeliers ou aficcionados dizem que o vinho tem aroma de couro molhado ou de banana, por exemplo. Eu sempre digo: mas é uva!!! vinho é feito de uva, meu amigo, não inventa!
Edgar Cantelli
Concordo com você Lu. Mas por outro lado, você sabe que quando começamos a aprender mais sobre essas descrições das análises que se faz num vinho, realmente conseguimos identificar alguns aromas “estranhos”, como de madeira e alguns gostos diferentes também. Outro dia mesmo tomou um vinho de sobremesa de Nedemburg, da África do Sul, que realmente tinha gosto de maracujá, apesar de ser feito de uva, obviamente. Mas daí a gente estuda que o fundo que ataca essa uva antes da sua colheita é que dá essa característica. Mas o segredo é saber o que exatamente se está procurando para degustar o vinho. Assim como no pulso. E através desse refinamento, da mesma forma, conseguimos ver detalhes “estranhos” no pulso, como identificar um padrão que pode mostrar que a mulher está grávida. Entendeu o que eu quis dizer?
Luciana
Entendi sim, Edgar. E acho que é como dizia o meu avô, nem tanto ao mar, nem tanto à terra… Não dá pra viajar demais, mas também não dá para ser tão “cartesiana” como eu gosto de brincar (é uva!). Aí fica mais pela piada mesmo. E o segredo realmente está em ver as sutilezas, o que pode se esconder atrás do óbvio (é uva!). Acho que é isso, né? beijão!
Helena
Adorei!
Mantenho um namoro acanhado com o mundo vivo dos vinhos!
Realmente é muito dificil sentir, decifrar, definir um vinho…Um grande conhecedor de vinhos e meu amigo, certa vez me disse:”Não se preocupe demais sobre os vinhos, vá aprendendo se isso lhe dá prazer, cedo ou tarde vai descobrir que o melhor vinho é aquele você mais gosta”
Depois disso relaxei, continuo tentando aguçar o paladar e sentir as variações, não pelo desespero em aprender, que antes eu tinha e sim pelo prazer do “meu” bom vinho!Bebida viva e apaixonante!
Quanto a pulsologia…
Em corda, flutuante, fino, debilitado, etc etc.
As duvidas nunca me abandoram…